08 dezembro 2007

O CARANGUEJO E O MEDO

Bate uma vontade irresistível de saltar da cadeira de alumínio e rolar pela areia. Vez por outra esta criança me arrebata, quando a seriedade do mundo fica insuportável.

Talvez por inusitada, a atitude não parece desagradar aos vizinhos gordos, que devoram mistos e cervejas quentes; percebe-se até uma pontinha de inveja, perpassando olhares sob os óculos escuros. Deito e rolo sem pudor, feito posta de tainha rumo à frigideira.

Acho que os Marias-Farinha estão em época de desova. Um grupo me cerca rapidamente, saindo de suas tocas que eu mal havia notado. Instalado a nível, posso fitá-los diretamente nas esferinhas pretas; ficam imóveis e também me observam [quem é o bicho esquisito invadindo nosso território? Também gosta de areia... bom sinal!]. Quebro a inércia lançando areia sobre um deles, que recua e se entoca. Os outros continuam impassíveis, apesar de muito próximos. Fico intrigado: por que a turma toda não se mandou? Enxergariam mal? Certamente que não; perceberam-me a distancia. Será que não incorporam o medo gerado no outro? Sim... só pode ser isso: cada qual reage somente ao estímulo direto, experiência vivida na pele, ou melhor, na casca.

Bingo!

Atenção freudianos: não existe paranóia entre os crustáceos!

Enquanto os donos da praia aprofundam tranqüilamente suas galerias [cochichos com sanduíches não representam perigo imediato], um pensamento me assalta: e se a maré subir de repente... Isso costuma acontecer depois do meio-dia – a memória factual avisa. Meus companheiros certamente terão as tocas inundadas e, definitivamente, não parecem preocupados; por que então eu estaria, se o máximo que pode acontecer é o mar encharcar minha barriga e uns poucos pertences?!


Assim como os caranguejos, nada tenho de perene a beira d’água; não construí por aqui, exceto algum castelo lúdico. Acho até que esse negócio de fazer coisas é uma forma que inventamos de permanecer na Terra [antes de simplesmente viver, queremos produzir e deixar marcas indeléveis]. Daí seguimos correndo a esmo e adiando o presente como seres imortais; nem percebemos que nossa real divindade está bem aqui onde o ego nos escapa.

Olhemos em volta: o essencial nasceu feito e é de graça. De que mais precisamos além do sol, quando invadimos a praia feito crianças – ou caranguejos? O que poderia ser melhor que a água fresca num revigorante banho de mar, ou ao saciarmos a sede num riacho cristalino – se poupamos algum? O que almejamos para além das árvores, quando à sua sombra saboreamos um fruto maduro? Existirá algo além da plenitude, ao compartilharmos um abraço orgástico? E afinal: que dádiva é maior que a própria Vida – em maiúscula, claro –, que nos foi entregue de bandeja, numa incrível “coincidência” cósmica?

Mas, voltemos à praia; para mim está resolvido: continuarei aqui tomando sol.
Daqui a pouco, se a maré subir – e ela subirá –, simplesmente subiremos juntos, tanto quanto for necessário.
Eu, você, e os caranguejos...

Um comentário:

Anônimo disse...

Marco, falando em bicho que gosta de areia será que ninguém ( a não ser eu e você) gostou da tartaruguinha aí ao lado?
A coitadinha nem batizada foi!!
Eu vou continuar chamando-a de NORMA, e talvez no próximo domingo de sol a convide para ir à praia rolar um pouco na areia também, para que assim ela não se sinta rejeitada e queira sumir de nossas praias!!
Um Beijo, Rosana.