30 dezembro 2007

CONTATO

no meu planeta os vegetais dão flores
e frutos
sombra e
folhas

de onde venho, os vegetais dão seiva
vida

no meu planeta os animais dão leite
e força
proteção e
conforto

de onde venho, os animais dão sangue
vida

no meu planeta ninguém vende
troca ou estoca
ninguém negocia
quem vive no meu planeta
simplesmente

19 dezembro 2007

louCURA

Prefiro quando te desesperas
Quando perdes a razão
Pois expondo
O peito ao mundo
Gritando e abrindo os braços
És essencialmente tu
E menos o que pretendes

08 dezembro 2007

O CARANGUEJO E O MEDO

Bate uma vontade irresistível de saltar da cadeira de alumínio e rolar pela areia. Vez por outra esta criança me arrebata, quando a seriedade do mundo fica insuportável.

Talvez por inusitada, a atitude não parece desagradar aos vizinhos gordos, que devoram mistos e cervejas quentes; percebe-se até uma pontinha de inveja, perpassando olhares sob os óculos escuros. Deito e rolo sem pudor, feito posta de tainha rumo à frigideira.

Acho que os Marias-Farinha estão em época de desova. Um grupo me cerca rapidamente, saindo de suas tocas que eu mal havia notado. Instalado a nível, posso fitá-los diretamente nas esferinhas pretas; ficam imóveis e também me observam [quem é o bicho esquisito invadindo nosso território? Também gosta de areia... bom sinal!]. Quebro a inércia lançando areia sobre um deles, que recua e se entoca. Os outros continuam impassíveis, apesar de muito próximos. Fico intrigado: por que a turma toda não se mandou? Enxergariam mal? Certamente que não; perceberam-me a distancia. Será que não incorporam o medo gerado no outro? Sim... só pode ser isso: cada qual reage somente ao estímulo direto, experiência vivida na pele, ou melhor, na casca.

Bingo!

Atenção freudianos: não existe paranóia entre os crustáceos!

Enquanto os donos da praia aprofundam tranqüilamente suas galerias [cochichos com sanduíches não representam perigo imediato], um pensamento me assalta: e se a maré subir de repente... Isso costuma acontecer depois do meio-dia – a memória factual avisa. Meus companheiros certamente terão as tocas inundadas e, definitivamente, não parecem preocupados; por que então eu estaria, se o máximo que pode acontecer é o mar encharcar minha barriga e uns poucos pertences?!


Assim como os caranguejos, nada tenho de perene a beira d’água; não construí por aqui, exceto algum castelo lúdico. Acho até que esse negócio de fazer coisas é uma forma que inventamos de permanecer na Terra [antes de simplesmente viver, queremos produzir e deixar marcas indeléveis]. Daí seguimos correndo a esmo e adiando o presente como seres imortais; nem percebemos que nossa real divindade está bem aqui onde o ego nos escapa.

Olhemos em volta: o essencial nasceu feito e é de graça. De que mais precisamos além do sol, quando invadimos a praia feito crianças – ou caranguejos? O que poderia ser melhor que a água fresca num revigorante banho de mar, ou ao saciarmos a sede num riacho cristalino – se poupamos algum? O que almejamos para além das árvores, quando à sua sombra saboreamos um fruto maduro? Existirá algo além da plenitude, ao compartilharmos um abraço orgástico? E afinal: que dádiva é maior que a própria Vida – em maiúscula, claro –, que nos foi entregue de bandeja, numa incrível “coincidência” cósmica?

Mas, voltemos à praia; para mim está resolvido: continuarei aqui tomando sol.
Daqui a pouco, se a maré subir – e ela subirá –, simplesmente subiremos juntos, tanto quanto for necessário.
Eu, você, e os caranguejos...

MARÉ

Página do livro "Ao Coração da Coxilha Rica"

DEVAGAR

“Se você não sabe o que está fazendo, faça devagar”, reza um princípio econômico contemporâneo.

Se em tempos remotos recebemos perdão em massa na base do “eles não sabem o que fazem”, a desculpa perdeu a validade, e convenhamos que o prazo foi pra lá de razoável...

Senão, vejamos: Tudo o que sempre precisamos para sobrevivência e fruição a natureza ofereceu com qualidade e abundância. O problema é que nossa ambição ou percepção de saciedade e segurança jamais conheceu limites. Como resultado, o generoso provedor foi ficando tipo, de saco cheio.

A sorte está lançada: Ou qualificamos e diminuímos o ritmo dos nossos fazeres no Planeta – o qual sugamos como uma fruta madura –, ou de repente será nossa vez de entrar no suco.

Uma mudança de paradigma exigiria um processo acelerado de conscientização e sabemos que isso não é tarefa fácil, até porque o mundo já tem gente saindo pelo ladrão. Historicamente, temos olhado praticamente o tempo todo para nossos próprios umbigos, mas tudo bem – quer dizer, nem tanto.

Uma iniciativa aqui, outra ali, cada um contribuindo com o seu melhor, poderíamos alcançar o tal patamar crítico suficiente para realizar avanços importantes. O poder da comunicação nunca foi tão avassalador; se está mal direcionado – parece claro que está – poderíamos adequá-lo a uma mudança de foco e prioridades.

Pode-se dizer que cada um carrega em si toda a experiência humana, mesmo que não tenhamos consciência disso: O ritmo alucinado da civilização [pós] industrial – que ao invés de gerar mais tempo livre com a evolução das máquinas fez delas seu modelo de vida – é refletido em nosso espelho diariamente, quando perseguimos os ponteiros do relógio como um cão atrás do rabo.

Peraí, stop! Estamos com pressa de que mesmo? Para chegar onde? Será que corremos tanto apenas para ganhar dinheiro e consumir mais? Será que essa ansiedade generalizada é uma condição real de sobrevivência ou mera questão de ego e poder? Agimos feito manada rumo ao precipício? Talvez nem tanto, mas não é de hoje que temos “o olho maior que a barriga”.

Dar mais tempo e espaço para si mesmo; comer devagar e fazer a siesta; apreciar e fazer arte; namorar “fora de hora”; ir mais ao cinema ou à praça do bairro; ler, filosofar; para essas “bobagens” ninguém mais tem tempo. Vivemos numa espécie de "fast tudo", mergulhados até o gogó no excesso de informação.

Mesmo correndo o risco de parecer simplista, vou meter minha colher na geléia geral: A idéia seria ampliarmos o conceito do “slow food”, dando inicio a um movimento com sotaque tupiniquim, meio “Macunaíma”, que poderíamos chamar de “Faça devagar – dê um tempo ao Planeta!”

Muitas pessoas tipicamente urbanas têm sonhado com uma vida tranquila junto à natureza, sem perceber que a tão almejada paz depende mais de posturas pessoais do que de lugares paradisíacos num "futuro" que, obviamente, nunca chega.

Sabe aquela situação em que gostaríamos que o tempo parasse ou que pelo menos seguisse em slow motion?! Pois bem, a proposta é que “façamos de conta” que temos um controle remoto capaz de diminuir o ritmo da aceleração habitual.

Certamente, cada um terá uma forma pessoal de expressar o que seria “dar um tempo” a si mesmo e ao Planeta. Deixe seu comentário, compartilhe, ou dê um nome para a tartaruguinha aí em cima!