25 julho 2008

07 julho 2008

GAIA – James Lovelock*

A hipótese que desenvolvi, conhecida como Teoria de Gaia, entende a Terra como um imenso organismo vivo. Como tal, esse organismo pode desfrutar de boa saúde ou simplesmente adoecer.

A Teoria de Gaia fez de mim um médico planetário e o que faço aqui é uma séria análise técnica. Nesse momento, tenho a obrigação profissional de trazer uma má notícia a vocês: os centros de análises climáticas em todo o planeta, que são os equivalentes aos laboratórios de patologia dos hospitais, analisaram as condições físicas da Terra e constataram que ela sofre de uma grave doença. Ela está a ponto de contrair uma febre fatal que poderá durar cerca de 100 mil anos.

Como médico, devo dizer a você, que é membro dessa grande família chamada Terra, que toda a sua civilização está correndo um grave perigo.

Nos últimos três bilhões de anos nosso planeta manteve-se saudável e apto a permitir o desenvolvimento da vida de modo natural. Mas nós poluímos e arranhamos em excesso esse paciente, e o fizemos num momento em que o Sol está superaquecido. Assim, provocamos em Gaia uma febre que agora está se transformando em estado de coma. A Terra já passou por uma situação trágica como essa e demorou mais de 100 mil anos para se recuperar. Nós somos responsáveis por essa nova onda febril e sofreremos duramente as suas conseqüências.

Se continuarmos nesse ritmo que conduz ao desequilíbrio ambiental, ainda neste século a temperatura se elevará em cerca de 8°C nas regiões temperadas e 5°C nos trópicos. Grande parte da massa tropical da Terra se tornará deserta, limitando ainda mais os seus mecanismos de auto-regulação. Some-se a isso o fato de que já devastamos 40% de sua superfície com as atividades industriais e agropecuárias e as perspectivas se tornam ainda mais sombrias.

Curiosamente, a poluição causada pelo uso de aerossóis no Hemisfério Norte reduz o aquecimento global ao criar uma camada que reflete a luz solar de volta ao espaço. Esse “escurecimento global” é transitório e poderá desaparecer em pouco tempo, deixando-nos inteiramente expostos ao calor da estufa global. Nesse momento, vivemos um clima enganoso, que é mantido acidentalmente fresco pela camada de poluentes. Porém, o desenlace mais provável é que bilhões de pessoas morrerão antes do final do século XXI.

Nós não estamos percebendo que a Terra regula sintomaticamente seu clima e sua composição. Se nos elegermos como administradores do planeta, automaticamente nos tornaremos responsáveis por manter sua atmosfera, oceanos e superfícies sempre favoráveis à vida. Logo descobriremos que essa é uma tarefa impossível de ser realizada. Afinal, temos retribuído com devastação desenfreada a todas as comodidades que o planeta nos tem graciosamente oferecido por milênios.

Nós vimos a Terra do espaço e, lá de cima, pudemos percebê-la como um organismo vivo. Sabemos que não podemos poluir o ar ou usar a superfície terrestre – os ecossistemas de suas florestas e oceanos – como uma mera fonte de produtos para nos alimentar e fornecer mais conforto. Sabemos instintivamente que esses ecossistemas devem ser preservados porque fazem parte da Terra viva.

Sendo assim o que deveríamos fazer? Primeiramente, temos de nos conscientizar do ritmo acelerado em que as mudanças ambientais estão ocorrendo. E também de como temos pouco tempo para agir se quisermos evitar o pior. Diante da urgência desse quadro, cada comunidade e cada nação devem fazer o melhor uso de seus recursos para garantir a sobrevivência da civilização pelo maior tempo possível. A civilização é movida a energia e nós não podemos simplesmente desligá-la. Portanto, necessitamos de uma redução de consumo em bases seguras. Devemos ser conscientes de que devemos pensar na humanidade como um todo e não apenas em nós mesmos.

A mudança ambiental é global, mas cada região do globo tem suas particularidades. Eu, por exemplo, moro na Inglaterra. Nós, cidadãos britânicos, temos de tratar das conseqüências aqui no Reino Unido. Infelizmente, temos tantas áreas urbanizadas em nossa nação que hoje somos praticamente uma única grande cidade. Restaram pouquíssimas áreas para a agricultura e para a preservação das florestas.Assim, nós ingleses, dependemos do mundo para sobreviver. A mudança climática irá nos negar as fontes de alimento e de combustível que vêm de outros países. Na Inglaterra, podemos até crescer mantendo um nível de consumo como o que adotamos durante a Segunda Guerra Mundial. Mas chega a ser ridícula a idéia de que meu país tem terra suficiente para produzir biocombustíveis ou para implantar fazendas movidas à energia eólica.

Tenho certeza de que nós, ingleses, faremos de tudo para sobreviver. Mas infelizmente não vejo os Estados Unidos ou as grandes economias emergentes, como a China e a Índia, voltando no tempo. O pior é que sabemos que esses países são os que mais emitem gases na atmosfera. A catástrofe irá ocorrer e os sobreviventes terão de se adaptar a um clima infernal.

Na nossa relação com a Terra, não somos meramente uma doença. Com nossa inteligência e nossa capacidade de comunicação, somos o sistema nervoso do planeta. Através de nós, Gaia foi vista do espaço e ganhou consciência de seu lugar no Universo. Devemos, portanto, ser o coração e a mente da Terra. Teremos de ser fortes e parar de pensar unicamente em nossos direitos e necessidades. Precisamos tomar consciência de que prejudicamos a vida na Terra e temos de fazer as pazes com Gaia. Devemos fazer isso enquanto ainda somos fortes o bastante para negociar, e não quando formos hordas acéfalas, conduzidas por brutais Senhores da Guerra. Sobretudo, devemos recordar que somos parte da Terra e que ela é, antes de tudo, o nosso lar.

(*) Nascido em 26 de julho de 1919, James Ephraim Lovelock é pesquisador independente e ambientalista. Criou a Teoria de Gaia para explicar o comportamento sistêmico do planeta Terra. Após estudar química na University of Manchester obteve um cargo no Medical Research Council do Institute for Medical Research. É Ph.D. em medicina no London School of Hygiene and Tropical Medicine. Tem conduzido pesquisas em Yale, Baylor University College of Medicine, e Harvard University. Inventou diversos instrumentos científicos utilizados pela NASA para análise de atmosferas extraterrestres e superfície de planetas. Inventou o Detector de Captura de Elétrons, que auxiliou nas descobertas sobre a persistência do CFC e seu papel no empobrecimento da camada de ozônio.