10 novembro 2007

verdades mentirosas

A verdade costuma apresentar-se em múltiplas facetas. Se nos apegamos a uma delas, perdemos todas as outras. Da mesma forma, a mentira também tem suas nuances – algumas incrivelmente verdadeiras. Dessa geléia cultural emerge o que poderíamos chamar de “verdades mentirosas”. Este é o nome de uma torta-fria muito popular nos meios publicitário, religioso, e entre políticos em geral.

Sua receita tradicional é bastante simples: pegue um fato verídico, um conceito ou uma idéia incontestável e embuta nestes uma certa quantidade de inverdades, tomando cuidado para não exagerar na dose, sob o risco de desandar a mistura.

Tomando a massa como base, podemos criar recheios e coberturas fantásticos do tipo: “lave sua roupa com o sabão branco-em-fundo-branco e abra as portas para uma vida iluminada e muito leve como as nuvens do céu”, ou: “tenha uma conta no banco super-humano e nunca mais se preocupe com as coisas materiais – deixe essa chatice com a gente”, ou: “dirija o automóvel alpinista-seguro-do-ano e sinta-se eternamente livre, alcançando lugares e estados de espírito inimagináveis”.

Na linha místico-religiosa, temos o clássico: “desapegue-se do dinheiro – prove isso enriquecendo o pastor – e o universo abrirá seus infinitos canais de prosperidade”, ou: “você não é bom o suficiente para contactar o divino; eu farei isso em seu nome”, ou ainda aquela mais sutil e perigosa: “nós devemos seguir o mestre, mas, vamos nos conformar, jamais poderemos ser como ele”.

No cotidiano das praças e nos noticiários, vende-se a idéia de que “se o governante da vez é incompetente e/ou mal intencionado, tudo de ruim que acontecer nos limites do país, ou na sua rua, ou na sua vida é culpa dele”, ou então: “como muita gente ganha a vida trapaceando e explorando o próximo, então, o dinheiro é a causa da infelicidade ou, caso seja ganho com trabalho, da felicidade”.

Finalmente, temos aquela iguaria sazonal para enfeitar a torta: “se um cara tem projeção social em qualquer setor e é carismático, isso o credencia a ser um líder, que conduzirá o povo ao paraíso, já a partir do ano que vem”.


Claro que tudo isso é pra lá de óbvio, mas, às vezes, somos arrastados de tal maneira pelo rolo compressor da mídia e da rotina, que preferimos ir “tocando ficha” sem refletir ou ter posição alguma que conteste o chamado senso comum; um termo, aliás, que anda perigosamente próximo da covardia coletiva e da acomodação.


De qualquer forma, é sempre bom lembrarmos que o bufet da vida é variado o suficiente para evitarmos pratos como esses, e que a chamada realidade “lá fora” é criada por nós mesmos, “aqui dentro”, e, definitivamente, não é um filme que pagamos pra ver enquanto comemos pipoca e comentamos com o vizinho...

Um comentário:

Anônimo disse...

estar acomodado é estar na zona de conforto.
sair da zona de conforto significa tirar tudo do lugar, e aquilo que se encontrava com os "olhos fechados" não mais estará lá.
beijos, rosana.